domingo, 16 de novembro de 2008

um esboço

A primeira coisa que viu quando chegou foi a luz do quarto acesa. Sorriu. Sempre quando chegava em casa e não havia ninguém, tinha a estranha sensação que alguém morrera e tinham esquecido de avisá-la. Era uma sensação recorrente, a de que um dia a esqueceriam. Já a haviam esquecido para tantas coisas,não seria de se espantar que um dia esquecessem completamente de sua banal existencia. Tão banal quanto os passos que ouve agora na cozinha, tão banal quanto o seu próprio pensamento desejando que esses passos venham até seu quarto. Mas os passos não se aproximam, passam até acabar num barulho de porta sendo fechada. Súbito, aquele pequeno alívio de encontrar luzes acesas pela casa é esquecido. Assim como ela é esquecida pelas banalidades do dia-dia, por amantes, parentes, amigos, pelos professores do primário, pelo sujeito dos olhos verde esmeralda que vira hoje pela rua, pela chuva do outro dia, pela moça do primeiro andar, por aquele rapaz que achara interessante... aos poucos, de forma quase indolor, quase porque também ela esquece... esquece daquele desconhecido de camiseta vermelha da Praça do comércio, do seu primeiro namorado, daquele cliente que vai todos os dias ao bar no qual trabalha, daquela amiga de infância que lhe emprestava a bicicleta de vez em quando, daquele mesmo rapaz que um dia foi interessante...
Então, sempre que ela sentia o peito estilhaçar com o afastar dos passos na cozinha ela fechava os olhos bem forte e pedia, pedia tanta coisa.. que no final respirava e implorava para que pelo menos as luzes sempre estivessem acesas quando chegasse em casa.

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