domingo, 22 de agosto de 2010

Saudades de escrever

Hoje eu quis escrever muito. Quis escrever debaixo da mesa, debaixo da cama, de pé, conversando. mas, o cesto de roupa suja pareceu-me a melhor opção.
Escrever de cócoras, escrever de quatro... ou numa pose onde eu pudesse me curvar sobre mim mesma. Mas, escrever de quatro pareceu-me mais obsceno, portanto, mais atraente, portanto, mais interessante. De quatro, eu poderia me sentir sendo comida pelos acentos, pontos, élles, dáblios, ésses todos. Todos penetrando-me. Meu corpo seria invadido pelas palavras, seria possuída pela escrita.
Já não teria mais mãos, nem peles, nem braços, nem nada disso. Teria outras coisas, invenções, neologismos, poderia ter inclusive mais de uma língua.
Mas, como ficar de quatro dentro do cesto de roupa suja? talvez, a escrita seja impraticável.


terça-feira, 18 de maio de 2010

Nao esquecer

Eu nunca me esqueci de você. Nunca esqueci nem de você, nem da minha pele, nem dos meus olhos, da minha lingua, nem dos meus cabelos... Nunca esqueci... mesmo sem lembrar.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

desabitada

Eu poderia acordar um dia e ver tudo fora de mim: rins, pulmões, nervos, vértebras, tudo flutuando pelo quarto.
acordaria, e meu ouvido estaria colado no teto. os líquidos todos a correrem pelas paredes.
o meu útero encostado na maçaneta da porta, prestes a sair. os olhos dentro do sapato de verniz preto que comprei na italia.
poderia acordar toda assim. cada pedaço num lugar. daí, eu me levantaria, tomaria meu nescau de frente para a minha nuca, que estaria ali, me fazendo companhia.
desceria as escadas, encontraria meu fígado na esquina da conceição com a rua dos fanqueiros. entraria na sala de ensaio e meus ossos das pernas e braços estariam dançando, dando saltos incríveis, inimagináveis, impressionantes. daí eu riria... e ficaria assim, aconchegada em cima da minha própria pele, respirando até as minhas costelas explodirem.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

para versejar

se ainda achares graça
permito-me de aqui ficar
e se ainda assim fizeres pirraça
convido-te a com estas palavras dançar.

pois só quedei-me nesta praça
para o meu coração acalmar
que de tantos rios que por ele passa
fez de outro o seu compassar

de onde tal afluente se entrelaça
vejo meu corpo a transbordar
se em mim houver desgraça
convido-te a esta cachaça provar.