terça-feira, 21 de outubro de 2014

Casamento




Agora, tudo começa a se desgrudar. Aos poucos os músculos se descolam dos ossos, o sangue dos vasos, os olhos da órbitas, o pulmão das costelas... tudo se desprende e vai sendo posto em caixas. Começo a perceber o oco do espaço vazio. As paredes voltam a serem brancas com cada quadro que tiro. Observo as prateleiras virarem caixas, nas quais misturo o Abril de 2012 com o Outubro de 2014. Embrulho com jornal os dias nos quais você não existia, para que não se quebrem. Ponho ao lado dos dias com o Lino, o dia que o Gógol me enxergou pela primeira vez. Dobro o carnaval quente que arrumei a casa junto com a Flavia. Ponho minha pele na mesma caixa em que coloco o dia que descobrimos que Teresa existia, e coloco o dia que nos despedimos dela na mesma caixa que ponho meus ouvidos.
As coisas que não guardo nas caixas, deixo aqui neste tempo de até hoje. Para que ocupem outros corpos. Seguem comigo apenas as coisas que atravessarão a trajetória deste tempo que reinicia. Guardo tudo em caixas como se estas fossem presentes que darei a mim mesma, e que abrirei num daqui a pouco, ali.
Agora, é preciso que as coisas todas sejam encaixotadas e misturadas. Para que na nova casa, depois das caixas abertas, os pulmões possam viver nas órbitas dos olhos, os dedos ao lado do coração, o céu da boca junto com os pés, a cabeça no meio das costelas...
Daí viveremos assim, com as coisas numa ordem inventada. Até serem encaixotadas novamente.

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